segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Rosa minha irmã Rosa

Rosa minha irmã Rosa

Há umas semanas ofereceram à minha filha mais velha o livro “Rosa minha irmã Rosa” de Alice Vieira. Um dos grandes problemas, é que a minha filha, ao contrário de mim, detesta ler. Eu lembro-me de ter a idade dela e também não morrer de amores pela leitura. Adorava BD e lia algumas coisas… olhando para trás, até percebo que não foram assim tão poucas como isso. Mas ía lendo. Não nos podemos esquecer que quando eu era miúda não havia televisão 24 horas por dia, muito menos com espaço infantil. Não havia PSP’s nem WII’s… O tempo era sempre muito e felizmente muito bem ocupado.

Hoje, que adoro ler, o tempo é nenhum!

Mas voltando ao início… Eu tive e li o Rosa minha irmã Rosa quando era miúda. Aliás acho que tive praticamente todos os livros da autora e adorei cada um deles.

Depois de uma grande “birra” e de nos tentar provar que ler é uma “seca”, eu quis provar-lhe exactamente o contrário. Depois de um comentário de “este livro nem sequer tem um boneco”, eu disse-lhe que era esse o fascínio dos livros. São mundos só nossos. Que ninguém lê um livro da mesma maneira, que a fantasia está na nossa cabeça. Cada cenário e cada personagem somos nós que criamos e e vivenciamos. Ofereci-me então para lhe ler um capítulo. Peguei no sítio onde ela estava. O capítulo 6.

Foi nessa altura que percebi, o fascínio da nossa memória. Enquanto lia, só a ouvi perguntar: “mãe, estás a chorar?”… e estava! Porque fui repentinamente transportada no espaço e no tempo para muitos, muitos anos atrás. E sim, estava a ver o poster do menino de olhos tristes, com o texto dos “direitos da criança” pendurado no nosso quarto em casa do meu pai, e sim estava de novo na sala da minha avó, onde dantes falávamos. Sim, que dantes falávamos muito. E conversávamos. E sabíamos os nomes dos nossos bisavôs, das nossas tias, dos nossos primos… sabíamos as histórias do Tio Chico. Havia um respeito tremendamente sadio, pelos mais velhos. Ouvíamos os discos do Raul Solnado, vezes infinitas, ríamo-nos vezes sem conta das mesmas piadas, enquanto se enrolavam meadas de lã, numa máquina de madeira fantástica. Bebia-se chá e comiam-se torradas ao som da chuva, com as mantas a tapar as pernas. Riamo-nos de maneira saudável… tão saudável.

Sou muito, mesmo muito saudosista! Sou uma pessoa que tem sempre a fonte atrás do olho, quando me lembro dessa época. Aliás, tenho sempre a fonte atrás do olho… Já os perdi quase todos. Esses que fizeram a minha memória tão rica de recordações sadias, tão cheia de cheiros, de sabores, de sons e de fantasia. Esses que me deixaram viver a inocência de ser criança até tão tarde. Esses para os quais parecia não haver problemas. Esses que me diziam o que fazer e me levavam onde eles iam, conhecer o que eles conheciam. Todos esses que ajudaram a ser pessoa que hoje sou.

Hoje, é uma realidade tão diferente. Os nossos pequenos ditadores que pairam lá por casa, nascem e crescem neuróticos como nós. Não têm tempo de ser inocentes, não têm tempo de brincar, não arranjam espaço para respeitar, muito provavelmente porque nós não os soubemos respeitar. Não lhes demos tempo. Obrigamo-los a crescer depressa demais, no meio do stress, da correria, da crise, da excitação materialista em que hoje vivemos.

É evidente que não faz sentido vivermos como há 30 anos atrás. Mas podíamos, ás vezes, só ás vezes, tentar desacelerar e mostrar-lhes como a vida era. Mostrar que havia vida antes das PSP’s. Mostrar que é possível conversar 10 minutos, sem o telemóvel tocar. Provavelmente achariam que era tudo uma grande “seca”. Para eles talvez, mas para mim (nós) com certeza que não foi.

E logo, vou pegar no Rosa minha irmã Rosa e relê-lo de fio a pavio. E vou chorar… mas que bom que vai ser!

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